Com louvor governos
vêm se rendendo à participação popular para colaborar nas suas tomadas de decisões.
Estão sendo criados conselhos onde os membros são pessoas da comunidade,
eleitos pela comunidade, para deliberar a respeito de todos os segmentos que
envolvem ação do poder público – Já existem os conselhos de segurança pública;
conselhos gestor de parques; conselhos participativos das subprefeituras;
conselho de administração hospitalar, conselho de habitação entre outros.
A maioria desses
conselhos promove decisões de cunho vinculativo, ou seja, suas deliberações
devem ser acolhidas e colocadas em prática pelo administrador do órgão para o
qual o conselho foi criado. Esse modelo de gestão participativa seria perfeito
se não fossem por dois problemas que passo a descrever:
Primeiro problema:
A falta de critérios para decidir qual seria a validade do poder vinculativo de
uma decisão do conselho que afrontasse um parecer técnico da Administração
Pública.
Vamos imaginar, a
título de exemplo, uma situação onde os “representantes” da comunidade (e aqui
evito a falar representante do povo, deixando esse termo exclusivamente para os
parlamentares eleitos democraticamente e com mandato), como os conselheiros de
parques ou de segurança, decidissem que a Guarda Civil Metropolitana deveria
atuar sem arma de fogo - e para ser sincero, já vi prefeituras fazendo enquetes
virtuais e até plebiscito para saber se devem armar, e em alguns casos,
desarmar a guarda municipal.
Para quem é técnico
e atua na área é bem sabido que sem a arma de fogo o risco para o profissional
de segurança pública - e a quem ele protege - aumentaria absurdamente, e a
capacidade de atuação seria reduzida a quase nada. Isso é bastante fácil
observar ao avaliar os constantes chamados para a guarda municipal interceder
sobre problemas em escolas que possuem vigias desarmados, os quais quase sempre
alegam impossibilidade de agir diante da desproporcional ameaça que sofrem dos
transgressores e receio decorrente da suspeita de haver letalidade nos
instrumentos que eles utilizam em suas ações (um guarda municipal
desarmado ficaria em iguais condições a desse vigia).
Traçando mais um paralelo,
temos que reconhecer que quem governa, governa para o povo, de quem emana o seu
poder e diretriz para a tomada de decisões – e isso pode levar ao erro de
pensar que se um manda o outro apenas obedece. Não é bem assim que funciona! Vamos
imaginar que na minha casa mando eu – e mando mesmo (risos). Pois bem! Não é
pelo fato de poder mandar no que é meu que eu posso fazer o que eu quero. Ora,
se almejo construir uma obra impraticável, ainda que eu pague e mande, o
engenheiro e o construtor é quem saberão o que pode e o que não pode ser
realizado. Jamais edificariam algo que viesse a colocar a minha vida em risco. No outro exemplo
temos o advogado que,
mesmo recebendo honorários e ordens expressas, jamais impetraria uma ação que
viesse a prejudicar o seu cliente (será?)
A mesma
interferência da opinião do leigo sobre a do técnico pode ocorrer ainda em
hospitais, onde a última palavra sempre deve ser a do profissional de saúde; na
questão das obras públicas em que deve ser respeitada a decisão de arquitetos e
engenheiros; ou nas escolas, onde deve prevalecer o parecer do pedagogo, e
assim por diante.
Acredito que o mais
razoável seja aceitar que o parecer do técnico deve sempre prevalecer mesmo
diante da vontade popular.
Assim, esse é e
continuará sendo um dos grandes desafios nos lugares se pretende instalar
modelos de gestão participativa, ou seja, saber até onde o leigo pode decidir,
e saber separar as decisões técnicas dos anseios da população, para que uma
decisão equivocada não venha a prejudicar a viabilidade nem a qualidade dos
trabalhos desenvolvidos pelo serviço público.
Segundo problema: A
ocupação das cadeiras de conselheiros por filiados dos partidos que estão no governo
ou apadrinhados de parlamentares como forma de extensão do mandato.
Para que haja uma
verdadeira participação popular as cadeiras de conselheiros devem ser
preenchidas em regra por pessoas neutras, ou na melhor das hipóteses, por
pessoas desvinculadas ao governo. Seria preferível que os conselheiros eleitos
fossem líderes comunitários; lideranças de bairros; presidentes de associações;
presidentes de conselhos regionais; autoridades religiosas; comerciantes;
profissionais liberais ou qualquer outro tipo de pessoa que não tenha vínculo
com a administração pública.
Os militantes do
partido de situação e os apadrinhados de parlamentares já gozam de certo acesso
ao governo; já exercem certas influências nos palcos das decisões políticas e
administrativas. Eles também possuem maiores condições de serem eleitos por
conta de sua influência política e o apoio de seus padrinhos, de modo que
acabariam tirando a oportunidade de tantos outros interessados em contribuir
com o debate, mas que não contam com essas vantagens de buscar os votos
necessários a fim de que a sua candidatura tenha sucesso.
O Conselho
Participativo visa encurtar a distância entre a população e o administrador
público – secretários, Subprefeitos, Diretores etc. Desta forma, concluo que
foi feito para pessoas do bairro que, somente se tornando conselheiros é que
passariam a ter acesso total e direto à administração pública.
Os filiados
políticos e colaboradores de parlamentares – pessoas que já são bem próximas do
governo - ao se lançarem ao cargo de conselheiros, além de estarem em busca de
uma porta que já estava aberta a eles, acabam por tirar a oportunidade de se
formar um grupo com maior participação popular, tiram a oportunidade de a
administração coletar maior e melhor contribuição de quem realmente vive no
bairro, que sabe o que pode ser bom para a sua região; que sabe qual é o
problema, onde ele está e como pode ser resolvido.
Outro problema
oriundo desse loteamento das cadeiras de conselheiros, e o mais nocivo de
todos, decorre da possibilidade de que os aliados do governo estejam ali apenas
para fazer valer a vontade desse mesmo governo, impedindo que haja oposição,
críticas e reclamações; fazendo com que as decisões do conselho sejam sempre
votadas a favor do “patrão” - em um processo de votação onde a maioria sempre segue
a orientação ideológica do partido ou do parlamentar que os colocou ali.
A atuação dos
conselheiros deve ser de colaborador, orientador em um processo de construção
de ideias e soluções, não uma simples aceitação e ratificação da vontade do
administrador.
A Gestão
Participativa começou a ter destaque no governo de Olívio Dutra, quando este
foi prefeito da capital do Rio Grande do Sul. Chegou a ter repercussão
mundial. Já foi alvo de estudo por outros países. Contudo, por conta das
inconsistências acima descritas, acabou perdendo parte da sua credibilidade e
notoriedade fora do Brasil.
A cidade de São
Paulo conseguiu um avanço ao impedir que detentores de cargos em comissão na
prefeitura se tornassem candidatos aos conselhos participativos. Porém isso não
foi suficiente. Pelo resultado que vimos no recente pleito, alguns dos
vereadores emplacaram seus apadrinhados e o mesmo aconteceu com partidos
políticos, os quais elegeram muitos dos seus suplentes de parlamentares. Espero
que funcione bem e que esses conselheiros saibam separar a causa pública da
ideologia partidária e da vontade do administrador. Espero que façam as suas
interpelações a favor do bairro que eles representam.
Para quem acredita
nessa forma de governar e que de fato quer promover a democracia, fica a dica:
deixem bem claro até onde o poder deliberativo do conselho vincula a decisão do
administrador público e; se a ideia é realmente fortalecer o debate e colher o
maior número de contribuições possíveis, criem ferramentas que impeçam o
loteamento das cadeiras de conselheiros por pessoas que de uma forma ou de
outra já fazem parte do governo.